segunda-feira, 10 de abril de 2017

Morte e Vida de Um Peixe Ósseo


  Nasci peixe em água doce, mas antes que me desse conta, fui pescado. Cresci num belo e espaço aquário de águas cristalinas, no qual eu podia livremente nadar e mergulhar com profundidade. Mas conforme ia crescendo, o aquário tornava-se cada vez menor e insuficiente para atender à fome de minhas nadadeiras. Até o momento em que as paredes do aquário não resistiram mais à pressão exercida e se partiram.

  A partir disso, fui obrigado a viver em terra firme, onde a água é escassa, a profundidade proibida e os peixes são assados por preconceito daqueles que não sabem mergulhar, e por isso, odeiam a liberdade das águas turbulentas dos mares e rios, que arrasam as margens impostas, lavando e levando as contradições mais enraizadas.

  Por questão de sobrevivência, acostumei-me a andar sobre a terra, voar pelos céus, dançar sobre o fogo e nadar apenas nos intervalos, quando a chuva desaba das prateleiras do céu ou dos buracos do chuveiro, distante dos olhos opacos. Ocorre que um peixe, pode até (sobre)viver fora d’água, mas, cedo ou tarde, se não retornar ao seu habitat natural, morrerá.

  Porém, antes que comece a me debater no chão, despirei-me dessas vestes que acorrentam minhas nadadeiras, desses sapatos que aprisionam minha calda e distraidamente, sem medo ou ressentimento, darei o pulo ornamental mais alto e belo da história, sem ser visto, mergulharei pro-fundo e me deliciarei sem limites nas águas doces do prazeroso amor.