(Death
and Life - Gustav Klimt)
Minha
primeira respirada no mundo foi difícil, logo chorei. Não poderia ser
diferente, afinal, fui puxado do meu caloroso ventre materno e para
completar, as primeiras mãos que me tocam, são estranhas a mim. Mas meu desespero
não foi eterno, depois de certo tempo, que ainda era desconhecido para mim,
senti mãos doces me envolverem, e mesmo com meus minúsculos olhos fechados,
sabia que a dona das mãos me olhava, com aquele olhar que nada faz além de contemplar.
Percebi naquele exato momento, que tais olhos me acompanhariam pelo resto de
minha existência.
Na
minha infância, por volta dos sete ou oito anos, uma outra mulher, ou melhor,
uma menina, entrou na minha vida. Eu em minha ilustre sabedoria infantil, não
sabia significados, principalmente do amor, a única coisa que tinha convicção é
de que um sorriso brotava no jardim do meu rosto, toda vez que a via. Ela, com seus
longos cabelos negros e seu jeitinho angelical, fazia meu interior transbordar
de felicidade. Meus caros, não há na terra ou no universo, algo mais belo que o
amor inocente. É um amor unilateral, que não espera reciprocidade, é negócio
sem pagamento. Sentimento bobo, que não se constrói por força do sentimento de
posse, muito pelo contrário, nasce da liberdade, da liberdade que só as
crianças entendem.
Não
sei por quais motivos, mas, um novo amor só voltou a me procurar na juventude,
em sua forma platônica. É, talvez, a forma mais brutal, diria de certa forma,
até masoquista. Você se apaixona por uma pessoa, faz dela uma deusa, amando
seus encantos e amando ainda mais seus defeitos. É pura perfeição aos olhos de
quem ama. E a grande dor dos que amam de forma platônica é que por mais que
pensem querer a reciprocidade do amor, na realidade, internamente clamam pela dor,
rezam pela distância, e no sofrimento amam ainda mais. Portanto, o amor
platônico nada mais é do que um autoflagelo sentimental.
Para
se recuperar dessa tortuosa fatia da minha vida, entreguei-me ao Sansara. Não
poderei dizer que encontrei alento, carinho ou coisa do tipo, talvez em doses homeopáticas. Para ser honesto,
achei noites sem ninar, ilusões embaladas, mentiras engarrafadas e variadas transas vazias de profundo afeto. Não sei dizer
se amei alguma ou algumas dessas mulheres. Apesar de não recordar mais seus
nomes, creio eu ter amado
todas, de certo modo. E quando digo todas, falo por não ser possível o amor
nessa época, se não for levado em conta na sua completude. Amei assim: Marias,
Joanas e Madalenas; loiras, castanhas, ruivas e morenas; magras, fofas, altas e pequenas; casadas cansadas, solteiras de compromissos, namoradas da vida e putas. Ou não amei nenhuma.
Dizem
as más e as boas línguas também, que não existe essa coisa de sua metade. Ou
tais línguas estão erradas e eu estou certo, ou o contrário, mas acontece que
encontrei a minha, e foi lá na casa dos trinta anos. Quando a conheci, senti
que poderia esquecer toda a minha vida de esbórnia e álcool e a liberdade a ela atrelada sem lamento nenhum.
Nosso relacionamento iniciou-se em êxtase como todo começo. Aos poucos foi
amadurecendo, enfrentando barreiras, evoluindo. Não posso afirmar que nosso
amor foi igual aqueles de filmes Hollywoodianos ou daqueles cotidianos, apenas
nos amávamos e isso bastava.
Tivemos
filhos, fotos, férias, cadeiras de balanço. Na velhice de nós dois a minha
querida e odiosa morte com ciúmes, buscou-a primeiro, e isso me arrasou profundamente. Nunca
compreendi essa senhora dos destinos, assim como as outras. E nesse joguinho de
querer-lá e repulsar–lá, eis que essa também faz parte de mim. Aos
meus 90 e poucos anos, lembro com lágrimas, de alegria e saudade, a minha
vida, e as mulheres que dela fizeram parte. Ah! Não poderia me esquecer da última
mulher a po(u)sar na janela da minha vida. Dona Raimunda. É uma senhora de alma
doce. Às oito da manhã vem derrubar a porta do meu quarto, aos berros:
-Seu
Antônio, acorda!! O belo sol lá fora lhe espera para dar bom dia. Já tomou os
remédios matinais???