sexta-feira, 14 de agosto de 2015

As Mulheres de Minha Vida - O Conto Fofo

(Death and Life - Gustav Klimt)

Minha primeira respirada no mundo foi difícil, logo chorei. Não poderia ser diferente, afinal, fui puxado do meu caloroso ventre materno e para completar, as primeiras mãos que me tocam, são estranhas a mim. Mas meu desespero não foi eterno, depois de certo tempo, que ainda era desconhecido para mim, senti mãos doces me envolverem, e mesmo com meus minúsculos olhos fechados, sabia que a dona das mãos me olhava, com aquele olhar que nada faz além de contemplar. Percebi naquele exato momento, que tais olhos me acompanhariam pelo resto de minha existência.
Na minha infância, por volta dos sete ou oito anos, uma outra mulher, ou melhor, uma menina, entrou na minha vida. Eu em minha ilustre sabedoria infantil, não sabia significados, principalmente do amor, a única coisa que tinha convicção é de que um sorriso brotava no jardim do meu rosto, toda vez que a via. Ela, com seus longos cabelos negros e seu jeitinho angelical, fazia meu interior transbordar de felicidade. Meus caros, não há na terra ou no universo, algo mais belo que o amor inocente. É um amor unilateral, que não espera reciprocidade, é negócio sem pagamento. Sentimento bobo, que não se constrói por força do sentimento de posse, muito pelo contrário, nasce da liberdade, da liberdade que só as crianças entendem.  
Não sei por quais motivos, mas, um novo amor só voltou a me procurar na juventude, em sua forma platônica. É, talvez, a forma mais brutal, diria de certa forma, até masoquista. Você se apaixona por uma pessoa, faz dela uma deusa, amando seus encantos e amando ainda mais seus defeitos. É pura perfeição aos olhos de quem ama. E a grande dor dos que amam de forma platônica é que por mais que pensem querer a reciprocidade do amor, na realidade, internamente clamam pela dor, rezam pela distância, e no sofrimento amam ainda mais. Portanto, o amor platônico nada mais é do que um autoflagelo sentimental.
Para se recuperar dessa tortuosa fatia da minha vida, entreguei-me ao Sansara. Não poderei dizer que encontrei alento, carinho ou coisa do tipo, talvez em doses homeopáticas. Para ser honesto, achei noites sem ninar, ilusões embaladas, mentiras engarrafadas e variadas transas vazias de profundo afeto. Não sei dizer se amei alguma ou algumas dessas mulheres. Apesar de não recordar mais seus nomes, creio eu ter amado todas, de certo modo. E quando digo todas, falo por não ser possível o amor nessa época, se não for levado em conta na sua completude. Amei assim: Marias, Joanas e Madalenas; loiras, castanhas, ruivas e morenas; magras, fofas, altas e pequenas; casadas cansadas, solteiras de compromissos, namoradas da vida e putas. Ou não amei nenhuma.
Dizem as más e as boas línguas também, que não existe essa coisa de sua metade. Ou tais línguas estão erradas e eu estou certo, ou o contrário, mas acontece que encontrei a minha, e foi lá na casa dos trinta anos. Quando a conheci, senti que poderia esquecer toda a minha vida de esbórnia e álcool e a liberdade a ela atrelada sem lamento nenhum. Nosso relacionamento iniciou-se em êxtase como todo começo. Aos poucos foi amadurecendo, enfrentando barreiras, evoluindo. Não posso afirmar que nosso amor foi igual aqueles de filmes Hollywoodianos ou daqueles cotidianos, apenas nos amávamos e isso bastava.
Tivemos filhos, fotos, férias, cadeiras de balanço. Na velhice de nós dois a minha querida e odiosa morte com ciúmes, buscou-a primeiro, e isso me arrasou profundamente. Nunca compreendi essa senhora dos destinos, assim como as outras. E nesse joguinho de querer-lá e repulsar–lá, eis que essa também faz parte de mim.   Aos meus 90 e poucos anos, lembro com lágrimas, de alegria e saudade, a minha vida, e as mulheres que dela fizeram parte. Ah! Não poderia me esquecer da última mulher a po(u)sar na janela da minha vida. Dona Raimunda. É uma senhora de alma doce. Às oito da manhã vem derrubar a porta do meu quarto, aos berros:
-Seu Antônio, acorda!! O belo sol lá fora lhe espera para dar bom dia. Já tomou os remédios matinais??? 

domingo, 2 de agosto de 2015

Por que minha ampulheta não emperrou?

(Autoria Desconhecida)

Não queria ter crescido. Quer dizer, ter crescido, eu quis e quero ainda, pois é muito difícil achar suportes para mudar a temperatura da água em dias de inverno, quando a roupa já se foi. O que não é querido é o tempo ter me consumido e continuar a me consumir. Daquele rosto liso e inocente, há agora uma barba daquelas comunistas, cheia de intenções e tristezas, não tão passageiras.
Quando acordo em manhãs d’águas sinto um cheiro misturar-se ao de terra molhada, um odor forte e marcante. O perfume de minha infância, carregado de todas as nostalgias que profundamente me fizeram. Isso me faz lembrar o tempo que minha maior preocupação era chegar em casa a tempo de assistir o finzinho dos desenhos matinais.
Animações com a maldade e ingenuidade bem definidas, diferente da realidade que tive que aprender a viver, onde esses dois extremos se confundem de tal forma que a percepção fica a par dos cegos. Os perigos são reais, a malícia é camuflada e nossos heróis estão quase todos condenados a pena de vida, e os que não, estão se drogando pelas esquinas buscando estar em algum desenho. E essas decepções me deformaram em um desconfiado, levando-me também uma significativa fatia de boa-fé.
E das verdades que sempre proferia, tive que aprender a ocultar, nem sempre elas consolavam, deveriam, mas não. Lembro-me das revelações que fiz. Nada escapa aos olhos de uma criança atenta. Foram traições colocadas em “lençóis limpos”, atitudes e falas maldosas escancaradas com a maior pureza, fora as tantas outras realidades reprimidas com um “não conte isso pra ninguém”. As pessoas preferem a mentira. Masoquismo sentimental. As doses diárias de dor são mais aceitas do que verdades quebrando correntes mentais. E assim, aprendi a omitir, fingir, mentir e sorrir, forçosamente, sorrir.
Uma das minhas maiores saudades é de como eu sentia o amor ou ele a mim.  Não havia vergonha em amar e não ser recíproco, se sim, tanto melhor, mas o amar em si já confortava bastante. E declarar-se não era nenhuma ousadia, muito ao inverso, a palavra amor em meus lábios era moradia. Mas aos poucos a noção de posse foi se apropriando desse sentimento e a vivência do amor passou a ser trancafiada, e ai o amar tornou-se uma inquisição geográfica e descritiva, “onde está(va)?o que está(va) fazendo?". Claro, que até mesmo na infância o amor não era tão livre assim, mas a gaiola aberta, já representava muita coisa.
Da minha farta imaginação, restou-me uma gota que de vez em quando a uso, mais por saudade do que por necessidade. Tinha uma força mental brutal, dava vida a seres inanimados, construía realidades, fazia perguntas desconcertantes, e até criava pessoas, como o meu amigo imaginário. Habitava um Deus em mim.  Mas, foram, parceladamente esvaziando a minha imaginação. O último suspiro consegui salvar. Algumas pessoas não conseguem.
Alguns pensam, tentando se consolar, que a imaginação não condiz com a maturidade. Engano. Não é compatível com a órbita carcerária que é imposta. E assim, gradativamente, como fizeram com nossos pais, fizeram conosco, vão nos moldando: pela televisão, pelas escolas assassinas de mentes, propagandas de ilusão, nas ruas da insegurança, nas praças da vaidade e bares do vazio, até estarmos todos parecidos, jogados no sofá da sala, assistindo um miserável programa dominical, com nossos filhos ao lado, sendo também destruídos.
Mas de tudo isso, o que afiadamente assola a minha alma, é a noção de tempo que se metamorfoseou.  O tempo passava por mim, tão rápido quanto uma lagarta. Em um dia cabia tanto: risadas sinceras; indagações solucionadas, as que não eram se esquecia; a imensidão das coisas, uma queda, e mais outra, repetidamente até o medo ficar íntimo. Enfim, cabia minha semana e uma boa noite de sono. Hoje ao acordar, já me vejo ao pé da cama pra dormir. O dia me escorre aos dedos e eu não consigo segurar um segundo.
Também pudera. Na minha infância o tempo era convidado, um hóspede querido, como eu bem o aproveitava ele fazia questão de demorar ali, hoje deveras eu o pressiono, ele gozadamente me dá as costas e vai a sorrir. De tanto o cobrar, quando estamos a nos divertir, ao invés de alongar o momento, só pensa em fugir. Com o tempo correndo, fico a pensar na morte cada vez mais perto de mim.  E por correr contra o tempo, de vingança, mais cedo ou mais tarde, ele irá me sucumbir.