(Autoria Desconhecida)
Não
queria ter crescido. Quer dizer, ter crescido, eu quis e quero ainda, pois é
muito difícil achar suportes para mudar a temperatura da água em dias de
inverno, quando a roupa já se foi. O que não é querido é o tempo ter me
consumido e continuar a me consumir. Daquele rosto liso e inocente, há agora
uma barba daquelas comunistas, cheia de intenções e tristezas, não tão
passageiras.
Quando
acordo em manhãs d’águas sinto um cheiro misturar-se ao de terra molhada, um odor
forte e marcante. O perfume de minha infância, carregado de todas as nostalgias
que profundamente me fizeram. Isso me faz lembrar o tempo que minha maior
preocupação era chegar em casa a tempo de assistir o finzinho dos desenhos
matinais.
Animações
com a maldade e ingenuidade bem definidas, diferente da realidade que tive que
aprender a viver, onde esses dois extremos se confundem de tal forma que a
percepção fica a par dos cegos. Os perigos são reais, a malícia é camuflada e
nossos heróis estão quase todos condenados a pena de vida, e os que não, estão
se drogando pelas esquinas buscando estar em algum desenho. E essas decepções
me deformaram em um desconfiado, levando-me também uma significativa fatia de
boa-fé.
E
das verdades que sempre proferia, tive que aprender a ocultar, nem sempre elas
consolavam, deveriam, mas não. Lembro-me das revelações que fiz. Nada escapa aos
olhos de uma criança atenta. Foram traições colocadas em “lençóis limpos”,
atitudes e falas maldosas escancaradas com a maior pureza, fora as tantas
outras realidades reprimidas com um “não conte isso pra ninguém”. As pessoas
preferem a mentira. Masoquismo sentimental. As doses diárias de dor são mais
aceitas do que verdades quebrando correntes mentais. E assim, aprendi a omitir,
fingir, mentir e sorrir, forçosamente, sorrir.
Uma
das minhas maiores saudades é de como eu sentia o amor ou ele a mim. Não havia vergonha em amar e não ser
recíproco, se sim, tanto melhor, mas o amar em si já confortava bastante. E
declarar-se não era nenhuma ousadia, muito ao inverso, a palavra amor em meus
lábios era moradia. Mas aos poucos a noção de posse foi se apropriando desse
sentimento e a vivência do amor passou a ser trancafiada, e ai o amar tornou-se
uma inquisição geográfica e descritiva, “onde está(va)?o que está(va) fazendo?". Claro,
que até mesmo na infância o amor não era tão livre assim, mas a gaiola aberta,
já representava muita coisa.
Da
minha farta imaginação, restou-me uma gota que de vez em quando a uso, mais
por saudade do que por necessidade. Tinha uma força mental brutal, dava vida a
seres inanimados, construía realidades, fazia perguntas desconcertantes, e até
criava pessoas, como o meu amigo imaginário. Habitava um Deus em mim. Mas, foram, parceladamente esvaziando a minha
imaginação. O último suspiro consegui salvar. Algumas pessoas não conseguem.
Alguns
pensam, tentando se consolar, que a imaginação não condiz com a maturidade.
Engano. Não é compatível com a órbita carcerária que é imposta. E assim,
gradativamente, como fizeram com nossos pais, fizeram conosco, vão nos
moldando: pela televisão, pelas escolas assassinas de mentes, propagandas de
ilusão, nas ruas da insegurança, nas praças da vaidade e bares do vazio, até estarmos
todos parecidos, jogados no sofá da sala, assistindo um miserável programa
dominical, com nossos filhos ao lado, sendo também destruídos.
Mas
de tudo isso, o que afiadamente assola a minha alma, é a noção de tempo que se
metamorfoseou. O tempo passava por mim,
tão rápido quanto uma lagarta. Em um dia cabia tanto: risadas sinceras; indagações
solucionadas, as que não eram se esquecia; a imensidão das coisas, uma queda, e
mais outra, repetidamente até o medo ficar íntimo. Enfim, cabia minha semana e
uma boa noite de sono. Hoje ao acordar, já me vejo ao pé da cama pra dormir. O
dia me escorre aos dedos e eu não consigo segurar um segundo.
Também
pudera. Na minha infância o tempo era convidado, um hóspede querido, como eu
bem o aproveitava ele fazia questão de demorar ali, hoje deveras eu o
pressiono, ele gozadamente me dá as costas e vai a sorrir. De tanto o cobrar,
quando estamos a nos divertir, ao invés de alongar o momento, só pensa em
fugir. Com o tempo correndo, fico a pensar na morte cada vez mais perto de mim.
E por correr contra o tempo, de vingança,
mais cedo ou mais tarde, ele irá me sucumbir.
Nenhum comentário:
Postar um comentário