sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Guia Prático para se Tornar uma Borboleta

(Fotografia de L. M. Aguiar)

Enterro nestas linhas o eu que fui. O eu de ontem. Do passado. Mau passado. Mas que passou. Como podem nascer flores se as folhas secas insistirem em permanecer presas aos galhos? “As folhas secas caem das árvores para que o vento leve aquilo que já morreu”. Cada pa-lavra carrega um pouco de terra. Terra que encerra o passado. Não é preciso ter medo. Você já reparou na coragem que têm as árvores de pousarem nuas no outono? Cada letra carrega uma semente. Sementes de um novo ser, ainda por desabrochar.
A beleza das flores reside em sua sobrevivência. Cada pétala carrega a vitória do cuidado e da sorte sobre desafios mortais. Podemos encontrar essa beleza também nas borboletas. Elas representam a morte da lagarta. O (re)nascer de um novo ser que não mais se arrasta, voa! E que voo magnífico!!! Mas para que isso aconteça, a borboleta precisa morrer. Morrer enquanto lagarta. Desfazer-se. Desintegrar-se. Desestruturar-se. Desmanchar-se. Para se (re)construir em borboleta, ela precisa deixar de ser lagarta.
Abrir mão da segurança que as patas presas a terra evocam. Terra essa, que com um riso irônico, engole-nos quando morremos de fato. A borboleta perdeu esse medo. Medo de morrer. Medo de voar. Superou o medo de desgarrar as patas do chão. De cair e também de levantar. Aprendeu que vale a pena arriscar a vida nos ventos da liberdade, mesmo sabendo do perigo das tempestades. Como o meu amigo canino Raulzito, que mesmo depois de conhecer os perigos da rua, os barulhos da modernidade e a recepção nada amistosa de outros cães, continua a se alegrar todas as vezes em que o chamo para passear.
E essa metamorfose só é possível acontecer, passando pela experiência do casulo. Sobrevivendo à dissolução de tudo que lhe constitui, bom ou ruim. Conhecendo-se completamente para assim poder escolher com quais cores pintar as suas asas. Desapegando-se de tudo que carrega em si e o impeça de desabrochar as asas. Livrando-se de todo peso desnecessário que possa ancorar seu voo. Por fim, com a coragem de soltar as patas do chão, confiar em suas asas e se arriscar no decolar de um novo ser.
Por muito tempo acreditei que o amor stricto sensu fosse “estar-se preso por vontade” em uma gaiola com a janela escancarada. Mas agora percebo e sinto que o amor é um voo livre e desapressado rumo ao néctar da vida, enquanto se alegra com o sonho de saborear o mel da existência. De canudo...