(Fotografia de L. M. Aguiar)
Enterro nestas linhas o eu que
fui. O eu de ontem. Do passado. Mau passado. Mas que passou. Como podem nascer
flores se as folhas secas insistirem em permanecer presas aos galhos? “As
folhas secas caem das árvores para que o vento leve aquilo que já morreu”. Cada
pa-lavra carrega um pouco de terra. Terra que encerra o passado. Não é preciso
ter medo. Você já reparou na coragem que têm as árvores de pousarem nuas no
outono? Cada letra carrega uma semente. Sementes de um novo ser, ainda por
desabrochar.
A beleza das flores reside em sua
sobrevivência. Cada pétala carrega a vitória do cuidado e da sorte sobre
desafios mortais. Podemos encontrar essa beleza também nas borboletas. Elas
representam a morte da lagarta. O (re)nascer de um novo ser que não mais se
arrasta, voa! E que voo magnífico!!! Mas para que isso aconteça, a borboleta
precisa morrer. Morrer enquanto lagarta. Desfazer-se. Desintegrar-se.
Desestruturar-se. Desmanchar-se. Para se (re)construir em borboleta, ela
precisa deixar de ser lagarta.
Abrir mão da segurança que as
patas presas a terra evocam. Terra essa, que com um riso irônico, engole-nos
quando morremos de fato. A borboleta perdeu esse medo. Medo de morrer. Medo de
voar. Superou o medo de desgarrar as patas do chão. De cair e também de
levantar. Aprendeu que vale a pena arriscar a vida nos ventos da liberdade,
mesmo sabendo do perigo das tempestades. Como o meu amigo canino Raulzito, que
mesmo depois de conhecer os perigos da rua, os barulhos da modernidade e a
recepção nada amistosa de outros cães, continua a se alegrar todas as vezes em
que o chamo para passear.
E essa metamorfose só é possível
acontecer, passando pela experiência do casulo. Sobrevivendo à dissolução de
tudo que lhe constitui, bom ou ruim. Conhecendo-se completamente para assim
poder escolher com quais cores pintar as suas asas. Desapegando-se de tudo que
carrega em si e o impeça de desabrochar as asas. Livrando-se de todo peso
desnecessário que possa ancorar seu voo. Por fim, com a coragem de soltar as
patas do chão, confiar em suas asas e se arriscar no decolar de um novo ser.
Por muito tempo acreditei que o
amor stricto sensu fosse “estar-se preso por vontade” em uma gaiola com a janela escancarada. Mas
agora percebo e sinto que o amor é um voo livre e desapressado rumo ao néctar
da vida, enquanto se alegra com o sonho de saborear o mel da existência. De canudo...
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