quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Última Conversa

(Auto Retrato Com a Morte Tocando Violino - Arnold Böcklin)

A noite estava amena. Charles, deitado na cama de seu quarto, observava a escuridão dos céus pela incompleta abertura da janela. Um vento calmo, porém marcante, escancarou as janelas, e abraçou Charles.  Um frio cadavérico lhe excitou os poros. Alguém entrou pela porta e sentou-se na poltrona ao lado da cama:
- Boa noite Charles.
- Boa noite.  Já esperava sua visita.
- Ora essa, não sabia que eu era tão previsível.
- Posso fumar um cigarro não é mesmo? - enquanto falava, inclinou-se à escrivaninha para apanhar um cigarro. - afinal de contas, que diferença faz mais?
- Quem sou eu pra ti dizeres algo?
Rolou a engrenagem do isqueiro e o fogo fez o resto. Deu uma leve tragada, saboreando, pausadamente, cada momento. A fumaça ao sair, desencadeou uma crise de tosses, que finalizou com um canal de sangue escorrendo pela boca, como uma macabra cachoeira.
- Como deve ser do lado de lá? – Perguntou Charles, limpando o sangue, com o lençol da cama, e dando outra desapressada tragada.
- Nunca morri pra saber. Charles quis dar uma gostosa risada, daquelas bem barulhentas e sinceras, mas o máximo que conseguiu foi inclinar o canto direito da boca.
- Tanto faz, a ideia de nenhum dos dois nunca me agradou muito.
- Essas coisas jamais lhe preocuparam Charles. Pessoas que se preocupam com tais coisas, não vivem como você, ou melhor, não vivem.  Charles ficou em silêncio. Talvez pensando no passado, talvez pensando se haveria tempo para arrependimentos, ou apenas tentava respirar. Outra seqüência de tosses esmurrou seus pulmões, quebrando o silêncio que reinava.
- Me dê mais alguns minutos de lembranças, é tudo que me sobra no fim...
- Não posso te permitir esse alívio. Você já escapou muitas vezes de mim. Mas realmente gostei de você Charles. Você é um cara legal. Te darei mais 5 segundos.
O ar foi ficando cada vez mais raro nos pulmões de Charles, assim como a luz em seus olhos. De todas as aventuras e loucuras que vivera, nenhuma ficou como ultima lembrança. Essa foi sim, uma de sua infância. Devia ter por volta de uns 10 anos. Corria na garupa da moto com seu pai. A brisa forte causada pela velocidade lhe refrescava do verão, e Charles com seus curtos braços tentando fazer com que eles se encontrassem no umbigo de seu pai, sem obter êxito. Mas não importava, era mais por capricho que ele queria, pois ele se sentia seguro. Realmente protegido, e feliz. É nesses momentos sem justificativas e razões que a felicidade invade. Tão breve como o alívio da sombra, do remédio ou da morte.

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