(Today
I Forgot My Umbrella – Leonid Afremov)
Todas as vezes que chove, penso
comigo se não seriam as chuvas o choro dos céus. Mas ao lembrar-me do seco
sertão, não consigo acreditar que poderia os céus serem tão cruéis. Porém,
talvez estes estejam calejados quanto ao reiterado sofrimento e só chorem
diante de alegrias. Ao ver um riso banguelo e amarelo, uma criança brincando
com pedras quentes em cima de um chão rachado, a esperança molhada em prantos
do sertanejo, a dança elegante sobre a miséria. Contudo, concluo que a
crueldade dos céus continuaria, pois se fosse o contrário, os céus chorariam
todo dia.
E cá estou eu, ajoelhado, com o
queixo sobre as mãos e as mãos sobre o cume do sofá, observando as doces e salgadas
lágrimas escorregarem do rosto dos céus. Meu gato Snow está ao meu lado, também
a observar. Num dado momento ele me direciona seus grandes olhos azuis claro,
agora tomados pela escuridão das íris diante da ausência de luz, numa expressão
de angústia.
Pergunto-me se ele também estaria
sentido esse cheiro que vem com as chuvas. Esse odor de terra molhada, de
passado nostálgico e futuro apocalíptico, em que o presente parece estar
escondido. O meu amigo felino ergue-se sobre as duas patas traseiras e me
estende as patas dianteiras. Entendo o seu pedido e apesar da impossibilidade
de um abraço que se enlaça, conforto-o no conforto dos meus braços.
Caminho até a cozinha e, devido à
maresia trazida pela chuva, não provoco o delicioso cheiro de fumaça cafeinada,
apenas esquento o café feito na insônia da noite anterior. Pego o pote de
rosquinhas e sento-me à mesa. Talvez a vida seja apenas isto. Um café
requentado e umas rosquinhas moles?
Os pingos d’água continuam a
beijar o telhado, fabricando um barulho acalentador. Vem-me uma vontade de
correr solto pela rua, com os olhos fechados e o peito aberto, permitindo a
inundação da alma e o surgimento disfarçado das tímidas lágrimas, igualmente
como quando corto uma cebola ou cai um cisco no olho.Mas o receio de um
resfriado me faz vestir um casaco.
Não sei ao certo as
circunstâncias, talvez a canção a tocar tenha servido como gatilho, mas me
recordo do meu vizinho de infância, que padeceu sozinho. A humanidade desse
tamanho e ele morre na companhia de ninguém. Fez por merecer? Alguém merece a
solidão? Ou esta é só um grito sufocado por atenção? Será que ouvia uma canção
de Raul, como fazia com frequência, em alto e bom som? Entristeceu-se ou sorriu
porque ia? Teve tempo de perceber que partia? Tomava o último copo de vinho, o
meu vizinho, que na presença de insetos e objetos, faleceu sozinho?
Por que tememos a felicidade? Sei
que é perecível e na ânsia de aproveitá-la, acabo por antecipar o seu fim, acabo
com a brincadeira, como fazia quando pequeno com as balas e pirulitos recheados,
não saboreava com delicadeza, dava logo um jeito de mastigá-las. Mas devemos
eternizar os momentos em que o nosso banco da roda gigante está lá no alto,
perto do céu e das estrelas, permitindo-nos uma vista privilegiada da cidade
iluminada, para quando o banco descer ao chão, possamos sair do parque
sorridentes, sem inconformismos.
No dia de sua partida, não
chovia. Ao contrário, havia um grande risco colorido nos céus e o sol sorria igual
a gente quando ganha um abraço demorado daquela pessoa que gostamos. Aos poucos
a queda d’água vai cessando. As interrogações vão tendo o mesmo destino. Choveu
bastante lá fora. Mas a enxurrada foi aqui dentro, alagou e lavou muita coisa.
"Talvez a vida seja apenas isto. Um café requentado e umas rosquinhas moles?" As vezes sim...
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